segunda-feira, 21 de março de 2011

Em fim, um novo começar! "Nada a temer senão o correr da luta. Nada a fazer senão esquecer o medo..."





















Um amigo me disse que a viagem só termina quando retornamos. No último dia de tratamento, meu sentimento é de que essa experiência será interminável.

Esse sentido de que algumas experiências são inesgotáveis, aqui é como uma espécie de paradigma, pois sinto que meu corpo ainda não responde positivamente ao tratamento, outras dores apareceram e fiquei um pouco assustado, mas nada que as transformações na alma não imponham à mente aquela fé inabalável. O tempo do corpo só agora, aos trinta anos, começa a ser compreendido. Confesso que não conheço nada mais individualizante do que a doença.

Falta uma eternidade de poucos dias para chegar em casa. Os sentimentos são bastante confusos e por isso devo registrar minha incomensurável gratidão a todos que enviam boas energias para nossa jornada. É muito tocante receber tantas mensagens de afeto e amor. Não tinha claro que tantas pessoas queriam meu bem. Essa experiência, que não seria possível sem a solidariedade de muitas pessoas, me lembrou um discurso de Martin Luther King que em síntese diz que um dos maiores medos do ser humano não é a perspectiva do seu fracasso, mas o temor da responsabilidade do êxito. Só agora percebo que o tempo não é senhor de nada, mas dá a possibilidade de sermos senhores de nosso destino, enquanto tivermos saúde para nos reinventarmos. Nos últimos dias, tanta coisa me veio em forma de arrependimento. Conjuguei aqui incontáveis vezes a frase: não quero ter em mim tudo que deixei de ser. Nesse breve período que deixei de escrever, melhorei e piorei, sofri e sorri, duvidei e através da oração alheia me renovei...

Quando pude ser sereno, aquele de quem desconfio permanentemente, o destino, se apresentou, de formas que não tinha imaginado. De todos os sonhos que tive que abandonar um me manteve e mantém com sentido e coerência: a utopia de uma sociedade livre de exploração que poderia chamar de uma comunidade em comum união, ou melhor, comunista... Das coisas inacreditáveis que passei aqui, como sentir a energia invisível, mesmo para quem enxerga, uma delas me chamou muito a atenção: vir para o outro lado do mundo e estar num estado em que quem governa é o Partido Comunista Indiano Marxista (PCIM), estando no período de eleições e para completar uma das médicas responsáveis pelo meu caso é filiada ao partido.

O último sábado foi o dia de maior intensidade do tratamento. Foram cinco modalidades terapêuticas e durante uma das terapias corporais perdi a sensibilidade de metade da perna esquerda. Tive medo mas pensei em Diana, nas pessoas que amo e em cada pessoa que demonstrou torcer por mim... me controlei, concentrei minha mente no Amor e na fé no ser humano, e ao final minha perna tinha voltado ao normal. É quase inacreditável o poder que a coletividade pode infundir num espírito individualizado pelos limites de uma doença mutiladora.

Escrevo com dificuldade e é o último dia que me dedico a me ex pôr neste espaço. Nesta caminhada, muitas vezes me senti esmagado por perceber que meu maior algoz era meu corpo... uma ironia para quem sempre gostou de se jogar nas contradições das coisas e das pessoas. Tentei ser o mais verdadeiro que me foi possível e mesmo assim tenho certeza que não foi o suficiente, mas não lamento nada. Agora que me preparo para ir embora, um vazio imenso me invade, afinal pude sentir uma parte significativa da força desse desequilíbrio que limita meu corpo e meus sentidos. A partir daqui, vou forjar novas vontades que estejam de acordo com minhas possibilidades corporais e sensíveis... sem lamúrias ou inquietações desnecessárias. O reino das necessidades será meu guia... talvez um problema seja que uma de minhas maiores necessidades é lutar por justiça, pela superação do capitalismo e construir uma sociedade acolhedora e fraterna. Não tenho a menor ilusão de que isso seja uma tarefa fácil, mas ainda tenho o resto de uma existência para tentar.

Esse jeito de ser e pensar me empurrou a algumas confusões. Uma delas é que tomei de forma absoluta a frase de Brecht: “não aceites nada como natural...” e não percebi que o poema se refere às coisas que tem uma natureza injusta. Enfim consigo compreender que muitas vezes é necessário lutar para mudar e algumas é preciso lutar para aceitar as contingências da vida.

Como gosto de definições sintéticas, no primeiro período em que fui internado por causa da perda de visão cunhei a seguinte frase: aceitar o inevitável, para transformar o inaceitável. Podemos caminhar de diversas formas, mas não tenho nenhuma dúvida que a melhor estrada é a do amor, da fé e da esperança.

Pego emprestadas as palavras do apóstolo Paulo: “Quando sou fraco então é que sou forte.”
Nossa gratidão a todos que nos ajudaram a estar aqui.

Daqui a algumas horas, retornaremos a nossa casa com as forças renovadas. Até breve!


9 comentários:

  1. Salve, Daniel e Diana!
    O meu coração e espírito e corpo e tudo de mim vibram de alegria e de amor e de verdade ao ler as tuas belas palavras, Daniel!
    Parabéns!

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  2. Vou levar o iogurte pra comemorar a volta do iogue!!!

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  3. Wow! 'Eita' lágrima que quer fugir pro meu rosto.... palavras tão belas....
    Estou com muita saudades de ti, foi bom termos visto vc ir em busca da esperança, do desconhecido para se conhecer, captar outros ares do mundo, outras filosofias.
    O melhor, em minha opinião em ver-lo partir, é poder matar a saudade de volta, claro!
    Volte logo e bem!
    Mosquito,
    desde SS-73, Bacia de Santos, à 270 Km da costa Brasileira.

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  4. Belas palavras, capazes de emocionar-nos. Sua demonstração de força e superação, de força e luta, de força e fé, de força e amor só pode dar a quem se aproxima e lê, força e esperança de ser tão forte assim.
    Nada fácil missão, mas esteja em paz!
    Beijos,

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  5. Tive a impressão, quando li seu texto, de estar "relendo" um dos textos que mais gosto do Mariátegui, "O homem e o mito". Sua provação, Daniel, é força, e temos muito que aprender com você. O seu texto tem citado tantos temas que acredito que nem você mesmo tenha se dado conta da amplitude e densidade.

    Daniel, não sei se você já percebeu, mas você é um escritor, e nós precisamos dos seus ensinamentos e escritos; nós, (ouso dizer, os explorados).

    Como lembra Benjamin, os quais ainda carregam em seus ombros uma marcha funebre, mas olham para o futuro que irá vingar, através de um novo mundo, todos aqueles que injustamente tentaram apagar, mas que continuam ecoando em nosso horizontes. Você, com seus escritos-vivos, palavras-ação:
    uma pá que lavra as sementes de um novo amanhã.
    Cada dia sinto mais orgulho de você, rapaz!

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  6. Concordo com a definição de escritor para você. Como foi especial ler suas palavras!! Que bons ventos tragam vocês dois! Um abraço
    Renata Vale

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  7. Daniel, acabei de te conhcer, mas desde daquele dia na praia, me tornei teu amigo e um admirador. Esepero te rever em breve.
    Um abraço,
    Hercules

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  8. Querido amigo,

    Volte logo, quero abraçar vcs.

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  9. Nossa, posso perceber que foi uma experiência de suma importância. Um abraço

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