domingo, 27 de fevereiro de 2011

Sétimo dia: Internação ou ação interna?

Por causa da intensidade da dor no corpo, a médica que acompanha meu caso decidiu parar por um tempo a terapia corporal e o shirodhara. Comecei hoje um tratamento para o sistema nervoso central e os olhos que consiste em ter os olhos mergulhados por uma hora em ghee medicado. É um tratamento incrivelmente poderoso e angustiante. Todos os remédios são feitos aqui mesmo no hospital.

A seguir, um texto que escrevi sozinho no computador com um programa para pessoas com deficiência visual. Perdoem a intensidade do desabafo.


O cansaço começa a tomar conta de mim, minha mente não consegue manter uma linha de continuidade, assim como tem sido meu sono nos últimos 9 dias... Escrever é tão difícil . Parece que o espaço do sacrifício é minha casa. Desejo sinceramente outro lugar para mim. Ainda há pouco, quando comecei a escrever esse texto, era o quinto dia. Já estou no sétimo dia. As dores aumentaram e tenho encontrado de quando em vez o limite do suportável. Devo confessar: meu desconhecimento sobre mim é abissal. Construí voluntariamente uma única opção: me entregar.
“A cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança” (Saramago)... dessa cegueira não padeço... As convicções erguidas desde há muito em mim, a sede de justiça que registrada na minha gênese, garante disposição quase infinita e uma posição no mundo de inquietude permanente que nem mesmo a cegueira consegue impor como horizonte a auto piedade deletéria em minha caminhada.

A dor não dialoga, a dor dói. Intransigente o corpo com uma mente que já se acostumou com a presença permanentemente pedagógica da dor. Com sua pedagogia desconcertante descobri que é possível detestar a aleatoriedade da vida, a odiar com ainda maior virulência a própria vida até desejar o fim de tudo... mas a tal gênese que rejeita ação do mundo como destino inevitável me impulsionou a buscar cada gota da seiva da vida como possibilidade de amor e esperança.

(Foto na varanda do nosso quarto no dia em que chegamos)


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Quinto dia: "as árvores são fáceis de achar..." (Arnaldo Antunes e Jorge Ben)

Estamos mais ambientados em nossa rotina: acordar, remédio, tratamento, café-da-manhã, consulta médica, remédio, almoço, remédio, tratamento, remédio, pranayama, jantar, remédio, remédio, colírio, não-conseguir-dormir-enquanto-Diana-dorme...

As dores aumentaram e a médica perguntou se elas eram insuportáveis. Eu disse que se elas vierem a ser, eu sem dúvida a procuraria. As angústias também começaram, nos dois. Ataques de riso, bobiça, sono durante o dia, cansaço permanente, diálogos descontínuos, pessoas de todos os lugares do mundo, sempre nas refeições.


Pra passar o tempo, já acabamos a sexta temporada de House (dublado e com áudio-descrição de Diana). Agora, o tempo livre dedicamos a um mergulho na realidade indiana, lendo livros de ficção de autores daqui que trouxemos em português (na preparação, já tínhamos lido "O Deus das Pequenas Coisas" da Arundathi Roy, que, aliás, recomendamos muito!! Muito mesmo!).

É importante dizer que mesmo sem enxergar, é impossível não perceber a opressão de gênero, afinal todas as vezes que vamos abrir a porta ou sair, Diana tem que colocar um monte de roupa, mesmo aqui sendo bastante quente.

Saio com o uniforme 2 da seleção (que ganhei numa promoção da farmácia lá da esquina de casa) e alguns vêm me falar de Ronaldo, Kaká, Anderson e até Pelé.

Apesar das dores, vejam os sabores. Mesmo com dores e cansaço, podemos ser encontrados até o dia 22 de março em: Índia-Kerala-Kottakkal-Hospital ayurvédico. Estamos nessa jornada até o final. Assim como as árvores que são fáceis de achar, pois "ficam plantadas no chão". Com perseverança.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Terceiro dia: "A dor é inerente, o sofrimento é opcional" (Drummond)

O hospital nos surpreendeu positivamente: a maioria dos pacientes que aqui estão são indianos, tudo é muito limpo, o sistema é organizado e os médicos e funcionários solícitos. A médica chefe da equipe que me trata é uma mulher reservada, que, como boa indiana, balança a cabeça para os lados ao dizer sim. Parece o vulto de um sino. Ela anda com um séquito de 3 residentes e passa no meu quarto todas as manhãs para monitorar o tratamento.

A dieta tem restrições, mas a comida da cantina é variada e gostosa. É lá onde encontramos outros pacientes, conversamos e sabemos histórias incríveis, que podem ser considerados milagres na perspectiva da medicina ocidental. É também nessas conversas que praticamos o "sim" indiano (a cabeça como um sino) e Diana vira relações públicas da galera, afinal o inglês daqui é bem diferente e acreditamos que eles entendem até 80% do que dizemos. Não dá pra negar que a recíproca é verdadeira...

No primeiro dia de tratamento, as dores já começaram a latejar o corpo e até aqui (terceiro dia), a antiga fórmula separar sensações e mente (dor e sofrimento) tem funcionado, a não ser quando eu vou dormir. A insônia tomou conta de minhas madrugadas. Mesmo assim, todas as manhãs acordamos 7 horas para tomar o primeiro remédio do dia e por volta de 8 horas os terapeutas passam no quarto para me buscar para o tratamento.

Pra tudo temos horários: acordar, tomar remédio, almoçar, passear no jardim do AVS, jantar, dormir (quando a insônia deixa)... Somos orientados a respeitar o horário do sol.

Ainda não começamos a yoga, mas a cabeça já está arejada...